"Retrato
feito pelo Datafolha no finzinho de novembro mostrou que 67% dos
brasileiros avaliam o segundo governo Dilma Rousseff como ruim ou
péssimo. Reconheço-me nessa maioria, assinalando a opção péssimo. Também
pela inépcia da gestão, sobretudo pelo abandono do programa de campanha
e a adoção da agenda condenada pela candidata.
E daí?
No que diz respeito ao impeachment da presidente, não são pesquisas,
opiniões e humores que decidem. Essa é a regra, estabelecida pela
Constituição de 1988. Dilma foi eleita em outubro do ano passado com
54.501.118 sufrágios, vantagem de 3.459.963 sobre Aécio Neves (3,28
pontos percentuais de diferença, mais do que os 2,68 do pleito
presidencial argentino de 2015). Como os governantes são consagrados nas
urnas, ela tem autoridade para governar por quatro anos.
Sou partidário do sistema de mandatos revogáveis para governantes e
legisladores. Se os eleitores estão insatisfeitos com o desempenho de
quem escolheram, podem demiti-lo e substituí-lo. Sem esperar quatro ou
oito (senadores) anos. Estimula-se a fidelidade ao prometido, e o
prometido é devido. Traiu, cai fora.
E daí?
O recall até hoje foi barrado no Brasil. Os políticos preferem ficar
livres para romper compromissos. Logo, a presidente não pode ser
derrubada no berro. A não ser que violem a Constituição.
Mas ela não rasgou os discursos de palanque? Acho que sim.
E daí?
Sou eu quem vai julgar? A lei determina que o juízo é coletivo, do conjunto dos cidadãos.
Não tenho dúvida de que existe um sem-número de pessoas mais
qualificadas para o Planalto do que Dilma, beneficiária de nebulosa
indicação do ex-presidente Lula.
E daí?
Presidente se elege no voto, que tem _ou deveria ter_ caráter de pronunciamento soberano.
A economia degringolou, beira a depressão. É possível que o afastamento de Dilma permita um respiro.
E daí?
O governo Sarney nasceu do pecado do Colégio Eleitoral imposto pela
ditadura. Centenas de iluminados deliberaram no lugar de milhões. Na
catastrófica política econômica de Sarney, a inflação chegaria aos 80%.
No mês. A inflação agora está por volta dos 10%. Anuais. Nem por isso o
pai da Roseana caiu.
Há quem sustente que Dilma não tem mais condições de governar.
E daí?
Opinião é saudável, mais ainda quando prevalece o direito de expressá-la
sem correr o risco de penar no pau-de-arara. A condição de governar foi
decretada pelos eleitores no ano passado. Há países em que, minoritário
e sem a confiança do parlamento, o governante recebe cartão vermelho.
No Brasil, contudo, a maioria deliberou pelo presidencialismo.
A Constituição Cidadã prevê o impeachment, portanto trata-se de expediente legal.
E daí?
A Carta exige crime de responsabilidade para expulsar um presidente. Foi
o que aconteceu com Collor. Inexiste prova ou indício de que Dilma seja
ladra. Quem tem conta secreta na Suíça é o deputado que deu sinal verde
para o impeachment. Com crime de responsabilidade, impeachment é legal.
Sem, é golpe.
O Brasil mergulha no caos, alegam, propondo Dilma fora.
E daí?
Mais uma vez, cabe aos brasileiros aptos ao voto declarar o fim (e o
início) de governos ou de partidos e coalizações no poder. Quer ver como
as coisas são subjetivas? Há uma rapaziada gente boa que odeia o Lula. E
quem foi o melhor presidente da história, para a maioria relativa dos
brasileiros? Ele mesmo, o Lula, informa o Datafolha. Cada um sabe onde
aperta o calo. Onde se resolve a questão? Nas urnas, eletrônicas ou,
tamanha a pindaíba, armazenando cédulas de papel.
É curioso que, à direita e à esquerda da presidente, polemistas esgrimam
argumentos exclusivamente pragmáticos. Uns dizem que, saindo Dilma,
entrará alguém melhor. Outros, alguém pior.
E daí?
As duas barricadas incorrem no mesmo desprezo pela palavra das urnas.
Isto é, desdenham a democracia. Discutem virtudes e defeitos de
eventuais substitutos de Dilma, ignorando ou menosprezando o
fundamental: a decisão é prerrogativa dos eleitores.
O impeachment da presidente da República sufragada em 2014 representaria
uma enorme regressão. Aos tempos do século 20 em que se trocava o voto
do povo pelo proselitismo das armas
Um arauto célebre do movimento que em 1964 derrubou o presidente
constitucional João Goulart chamou, poucos anos mais tarde, o que
acontecera pelo devido nome: “golpe vagabundíssimo''.
É golpe o que está em curso, Eduardo Cunha é golpista. O deputado
retaliou Dilma pela decisão de petistas de votar pelo andamento de
processo na Comissão de Ética da Câmara que, se for mesmo de ética,
acelerará a cassação do presidente da Casa.
Retaliação, represália de Cunha… teu nome é vingança.
O Brasil de novo encontra-se, como escreveu o jornalista Janio de Freitas, na “encruzilhada escura''.
Se a escuridão triunfar, atrasaremos em décadas nosso relógio democrático.
Não é Dilma Rousseff que está em jogo. Mas a soberania do voto popular, que constitui um dos pilares da democracia."
(De Mário Magalhães, em seu blog na Folha de São Paulo, post
intitulado "Alegações pró-impeachment desprezam a soberania do voto
popular" - aqui.
Entreouvido nos bastidores: "Eu disse e reafirmo: não admito perder,
ainda mais quando tudo indicava que finalmente chegaríamos ao êxito.
Afinal, veja bem, a imprensa amiga estava do nosso lado. Questionei a
lisura do pleito; infelizmente tive de reconhecer que a eleição foi
legítima; o bom foi que a imprensa, amiga e leal como sempre, não deu
destaque ao assunto. Mas, vou seguindo firme, boicotando o que for
passível de boicote. É o que nos cabe. Quanto a ter perdido por margem
superior à verificada no pleito argentino, ou até mesmo na eleição Bush
Jr, tenho a dizer o seguinte: E daí?").
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