TESE
DE MESTRADO NA USP por um PSICÓLOGO 'Fingi ser gari por 1 mês e vivi como um
ser invisível'
Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua
tese de mestrado da 'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as
pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado
sob esse critério, vira mera sombra social.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu
uniforme e trabalhou um mês como gari, varrendo ruas da Universidade de São
Paulo.
Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os
trabalhadores braçais são seres invisíveis, sem nome'.
Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu
comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção
humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde
enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio
período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura,
mas garante que teve a maior lição de sua vida:
'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode
significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o
pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser
humano.
'Professores que me abraçavam nos corredores da USP
passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes,
esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando,
como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz.
No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles
colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não
tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra
classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se
aproximavam para ensinar o serviço.
Um deles foi até o latão de lixo pegou duas
latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na
latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que
eles se servissem primeiro.
Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas,
intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações
ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma
lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em
que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à
cena, como se perguntasse: 'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?'
E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a
conversar comigo, a contar piada, brincar.
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari? Uma
vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central.
Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar
dinheiro, passei pelo
andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca,
desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a
lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em
absoluto me viu.
Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia
como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se
ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da
comida e voltei para o trabalho atordoado. E depois de um mês trabalhando como
gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se
habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um
professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia
passar por mim, podia trocar uma ideia, mas o pessoal passava como se tivesse
passando por um poste, uma árvore, um orelhão.
E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido
nessa condição psicossocial, não se esquece jamais.
Acredito que essa experiência me deixou curado da
minha doença burguesa.
Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a
família deles, frequento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de
cumprimentar um trabalhador.
Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que
ele existe.
Eles são tratados pior do que um animal doméstico,
que sempre é chamado pelo
nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.
Fonte: Plínio Delphino, Diário de São Paulo.
*Ser IGNORADO é uma das piores
sensações que existem na vida!
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